Brasil libera quantidade até 5.000 vezes maior de agrotóxicos do que Europa

O debate sobre o uso de agrotóxicos ganhou um novo capítulo, e ele não é bom para o Brasil. Estudo inédito revelou o abismo que existe entre a legislação brasileira e a da União Europeia sobre o limite aceitável de resíduos na água e nos alimentos.

A contaminação da água é o que mais chama a atenção, com a lei brasileira permitindo limite 5.000 vezes superior ao máximo que é permitido na água potável da Europa.

No caso do feijão e da soja, a lei brasileira permite, respectivamente, o uso no cultivo de quantidade 400 e 200 vezes superior ao permitido na Europa.

Esses são os resultados do estudo “Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia”, da pesquisadora Larissa Mies Bombardi, do Laboratório de Geografia Agrária da USP (Universidade de São Paulo).

“Infelizmente, ainda não é possível banir os agrotóxicos. Por isso, é importante questionar por que o governo brasileiro não usa parâmetros observados no exterior”, afirma Bombardi, para quem a permissividade em relação à água “é uma barbárie”.

Enquanto a União Europeia limita a quantidade máxima que pode ser encontrada do herbicida glifosato na água potável em 0,1 miligramas por litro, o Brasil permite até 500 vezes mais. O Brasil tem, segundo o estudo, 504 agrotóxicos de uso permitido. Desses, 30% são proibidos na União Europeia –alguns há mais de uma década.

Esses mesmos itens vetados estão no ranking dos mais vendidos. O acefato, tipo de inseticida usado para plantações de cítricos, é o terceiro da lista.

Uma nota técnica da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) citada no estudo de Lombardi mostra que o acefato causa a chamada “síndrome intermediária”. Entre os danos à saúde estão fraqueza muscular dos pulmões e do pescoço. Em crianças, o risco é mais acentuado. “A nossa legislação é frouxa no que diz respeito aos resíduos e à quantidade permitidos na União Europeia”, diz Bombardi.

Para Brian Garvey, da Universidade de Strathclyde, da Escócia, e orientador de Bombardi na pesquisa, as autoridades brasileiras “lavam as mãos da toxidade”.

Como resultado, o mapa aponta ainda que oito brasileiros são contaminados por dia, se levarmos em conta os números oficiais, que são subnotificados.

O estudo confirma a informação de que os trabalhadores rurais são as principais vítimas de contaminação, seguidos por quem vive em regiões próximas às plantações, sendo as áreas pulverizadas as mais suscetíveis. No Estado de São Paulo, 75% da área é pulverizada. O último elo da cadeia revela as consequências da contaminação por quem consome. “O agrotóxico não tem público-alvo”, afirma Lombardi.

Uma pesquisa da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) estima que, para cada caso registrado, 50 não o foram. O que significa que, entre 2007 e 2014, mais de 1 milhão de brasileiros foram intoxicados por agrotóxico –um quinto das vítimas é criança ou adolescente.

Para piorar, em 2015, o governo deixou de publicar os casos de intoxicação por agrotóxicos. Desde então, ficou mais difícil estudar os casos de vítimas intoxicados dentro e fora do trabalho, como nos casos de pessoas que moram em áreas pulverizadas.

Bombardi se refere aos casos de intoxicação como a “ponta do iceberg”. “A intoxicação representa 2% do total de problemas de saúde que podem acometer a sociedade. As doenças crônicas não são estudadas como deveriam.”

Procurada desde sábado (25), a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde apenas respondeu que recebeu as dúvidas da reportagem na segunda-feira (27) e que até o final deste dia mandaria esclarecimentos.

A Anvisa, por e-mail, informou que “realiza a avaliação toxicológica dos agrotóxicos, antes de os mesmos serem registrados pelo Ministério da Agricultura” e que há uma série de restrições para registros de agrotóxicos no país, como nos casos que não haja antídoto ou tratamento eficaz no Brasil .

Em relação à quantidade de resíduos presentes, a Anvisa afirmou que uma análise feita entre 2013 e 2015 mostrou que quase 99% das amostras de alimentos analisadas “estão livres de resíduos de agrotóxicos que representam risco agudo para a saúde.”

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