O papel das tecnologias digitais na mitigação das mudanças climáticas e a adaptação a elas na América do Sul

No último mês de dezembro, a cidade de Katowice, na Polônia, foi sede da Conferência sobre Mudanças Climáticas e da 24ª Conferência das Partes (COP24). Esse evento foi especialmente importante, porque se estipularam as regras para a implementação do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.

O relatório do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) “Aquecimento global de 1,5°C”, lançado em outubro de 2018, recomenda limitar o aquecimento a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Para alcançar esse objetivo, algumas grandes modificações são necessárias.

No campo da energia, a mitigação depende de quatro objetivos principais: 1) limites para o aumento da demanda da energia final, 2) redução da intensidade de carbono da eletricidade, 3) aumento da participação da energia final fornecida pela eletricidade, e 4) redução da intensidade de carbono de outras fontes de energia além da eletricidade.

Para o setor industrial, o IPCC sugere a adoção de medidas para: redução da demanda, eficiência energética, aumento da eletrificação, redução do teor de carbono dos combustíveis não-elétricos, implantação de processos inovadores, e aplicação de captura e armazenamento de carbono.

As medidas recomendadas pelo IPCC dizem respeito ao uso de tecnologias de informação e comunicação, ferramentas de gestão de energia, recuperação calor para produção de energia e desenvolvimento de economia circular. Essas tecnologias devem ser especialmente implementadas em pequenas e médias empresas.

Nos edifícios, as principais estratégias são redução da demanda de energia, em especial para ares-condicionados, e promoção de eficiência energética e forte eletrificação, substituindo os combustíveis intensivos em carbono. As tecnologias inteligentes, como internet das coisas e modelagem de informações de construção, oferecem oportunidades para acelerar a eficiência energética em prédios e cidades. Promover o abastecimento de água sustentável e energeticamente eficiente, a reciclagem e o tratamento de águas residuais é uma forma de apoiar a mitigação, a adaptação e o desenvolvimento.

A inovação tecnológica, como o uso de inteligência artificial, internet das coisas, nanotecnologias, biotecnologias e robótica, pode contribuir para a redução das emissões de gases do efeito estufa nos processos de produção e consumo. Uso de iluminação e ar-condicionado inteligentes em edifícios, melhoria da eficiência energética por otimização de processos industriais, veículos elétricos, compartilhamento de carros, automação, manufatura aditiva, sistemas solares fotovoltaicos, redes inteligentes e flexibilidade de rede são as principais tecnologias recomendadas pelo IPCC.

Embora a mitigação seja a prioridade, as ações que buscam adaptação são cruciais, principalmente para reduzir os impactos sociais entre as populações vulneráveis. O acesso à energia sustentável, o acesso à água e ao saneamento e o acesso à educação, entre outros, são componentes-chave da adaptação, assegurando o alívio da pobreza.

As oportunidades na América do Sul

A América do Sul tem algumas vantagens importantes para assumir a liderança na mitigação das mudanças climáticas. Segundo o The Economist, a América Latina lidera o mundo em energia limpa, produzindo 53% da sua eletricidade a partir de fontes renováveis, em comparação com a média mundial de 22%. Hoje, a energia limpa depende da energia hídrica, mas a energia solar e a eólica tendem a crescer rapidamente, principalmente devido à geografia adequada.

A produção descentralizada de energia, como microgrids, produção de biocombustíveis e pequenas centrais hidrelétricas, tem o potencial de promover o desenvolvimento descentralizado, criando oportunidades de negócios para pequenas empresas, gerando mais empregos e melhorando a vida das comunidades de baixa renda.

Segundo o Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável, líderes empresariais e empreendedores podem abrir novas oportunidades de mercado que valem mais de US$1 trilhão e gerar até 24 milhões de empregos na América Latina e no Caribe até 2030 por meio de modelos de negócios sustentáveis.

Os principais desafios são infraestrutura e inovação. A infraestrutura é um dos principais fatores de vulnerabilidade na região. A Comissão Econômica das Nações Unidas para América Latina e Caribe recomendou que a região invista 6,2% do PIB em infraestrutura – cerca de US$320 bilhões – todos os anos, até 2020.

De acordo com um relatório do Banco Mundial, o desenvolvimento da América Latina é desafiado pela baixa inovação, falta de empreendedores “transformacionais” e baixo investimento público e privado em pesquisa e desenvolvimento. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o investimento em P&D na América Latina passou de uma média de 0,5% do PIB em 2004 para 0,63% em 2009, enquanto nos países da OCDE ele cresceu de 2,2% para 2,4% no mesmo período.

Mas o desafio mais importante é o desenvolvimento de negócios sustentáveis em larga escala. Em médio e longo prazos, o crescimento econômico depende da preservação dos ecossistemas naturais, da biodiversidade e dos recursos hídricos naturais e da capacidade de adaptação à seca, aos desastres naturais, à escassez de recursos naturais e ao aumento de doenças tropicais.

Como as empresas podem contribuir

Hoje, o uso das tecnologias digitais amplia as possibilidades de combinar sustentabilidade e lucratividade. E essa combinação pode ser um motor de crescimento econômico e inclusão social. As companhias precisam desafiar a si mesmas, assim como suas redes a repensar o futuro a fim de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) até 2030, abrangendo crescimento econômico, inclusão social e proteção ambiental.

Estão disponíveis tecnologias para edifícios, processos industriais e geração e distribuição de energia que poderiam de fato postergar significativamente a data do Dia da Sobrecarga da Terra.

Empresas dos mais variados ramos devem tornar suas operações mais eficientes. Projetos de automação predial são um caminho a ser trilhado. É imperativo investir em eletricidade renovável, distribuição de energia e tratamento de água e resíduos, reduzindo de forma substancial os níveis de emissão de CO2 na atmosfera.

As soluções digitais estão aí para que a indústria, a infraestrutura e as próprias cidades se tornem mais descarbonizadas e mais sustentáveis.

*Regina Magalhães é diretora de Sustentabilidade e Inovação da Schneider Electric para América do Sul, e João Salgueiro é gerente sênior de Relações Institucionais de Sustentabilidade e Inovação da Schneider Electric para América do Sul