Água subterrânea pode ajudar mundo a enfrentar clima extremo, mas poluição preocupa

Muito além do que os olhos podem ver, as reservas de água doce no mundo estão debaixo da terra, sendo os rios uma pequena “torneirinha” perto do potencial contido nas águas subterrâneas. A importância dessas reservas naturais para a humanidade fez com que o tema fosse o destaque da ONU (Organização das Nações Unidas) para o Dia Mundial da Água em 2022, celebrado na terça-feira (22).

“Quase toda a água doce líquida do mundo é subterrânea, contribuindo para o fornecimento de água potável, os sistemas de saneamento, a agricultura, a indústria e os ecossistemas”, afirma a entidade. Estimava-se que 97% da água doce no mundo estivesse no subsolo, mas o novo relatório de recursos hídricos das Nações Unidas, lançado nesta segunda-feira (21), atualizou essa parcela para 99%.

Com a publicação do documento, a ONU inicia o 9º Fórum Mundial da Água, que em 2022 vai focar as discussões no uso sustentável das águas subterrâneas como uma saída para aumentar a produção de água e atender uma demanda que, até 2030, deve crescer 1% todos os anos no mundo. O evento ocorre em Dacar, no Senegal.

Frente aos desafios das mudanças climáticas e os eventos extremos do clima que o mundo já experimenta, com secas e enchentes, a boa conservação desse sistema de absorção, armazenamento e reposição de água, chamado de infraestrutura hídrica, tem papel fundamental, observa a ONU.

As águas subterrâneas têm potencial de elevar o desenvolvimento social e econômico das regiões, aponta o relatório, intensificando a agricultura com irrigação e abastecendo cidades e indústrias, mas sem a fiscalização de governos para mantém o consumo em escala sustentável, esse recurso não será infinito.

“Em muitos países, a falta geral de profissionais no campo de águas subterrâneas entre o pessoal das instituições e administrações locais e nacionais, bem como responsabilidades, financiamento e apoio insuficientes dos departamentos ou agências de águas subterrâneas, dificultam a gestão eficaz desse recurso”, destaca a organização.

Um vez poluída, é praticamente impossível recuperar água no subsolo

Queimadas, desmatamentos e uso de agrotóxicos são práticas que diminuem a capacidade do solo em absorver a água das chuvas, o que acaba por enfraquecer os reservatórios naturais subterrâneos, além de poluir a água estocada, que vai chegar aos rios e também é acessada por poços artesianos mundo afora.

A poluição agrícola é generalizada e é uma fonte difusa que geralmente inclui grandes quantidades de nitrato, pesticidas e outros agroquímicos.

— Relatório Mundial das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento dos Recursos Hídricos

O relatório das Nações Unidas coloca ainda a mineração e a indústria como dois setores que precisam evoluir no tratamento da água utilizada, desde a eficiência e o maior reuso, até a diminuição da poluição de rios e lençóis freáticos. Uma vez poluída, fica praticamente impossível tratar a água subterrânea, alertam os estudos apresentados nesta segunda-feira.

Com o esgotamento devido à intensa extração em alguns locais do mundo, a ONU estima que hoje entre 15% e 25% da água captada do subsolo não está sendo reposta pela natureza.

A impermeabilização causa pela urbanização, seja com cimento ou asfalto, também prejudica a capacidade natural de reposição dessas “caixas d’água”. Além da diminuição das fontes de água limpa, o manejo descontrolado dos solos ainda aumenta a chance de ocorrência de desastres naturais.

“Sem capacidade de absorção, um solo empobrecido faz com que a água escorra em vez de ser absorvida, o que causa eventos como as enchentes que temos acompanhado em grandes cidades do Brasil”, explica o professor José Arimathéa Oliveira, da área ambiental do IFRJ (Instituto Federal do Rio de Janeiro).

Brasil possui maiores aquíferos do mundo

Aquífero é o nome mais comum para chamar as grandes reservas de água subterrânea. O Brasil tem nada menos que os dois maiores aquíferos do mundo, o Amazonas (162,5 mil km cúbicos de água armazenada) e o Guarani (37 mil km cúbicos de água), uma grande reserva abaixo do curso do rio Paraná, que se estende por países vizinhos – Argentina, Uruguai e Paraguai.

No Brasil, segundo a ABAS (Associação Brasileira de Águas Subterrâneas), os aquíferos alimentam os rios com cerca de 2.400 km cúbicos de água fresca por ano. Para comparação, nossos países vizinhos têm volumes muito menores. Na Argentina são 128 km cúbicos por ano, no Paraguai 41 km cúbicos e no Uruguai, 23 km cúbicos, segundo dados das Nações Unidas.

Essa abundância nem sempre está acessível às tecnologias de perfuração, devido a grandes profundidades. Apesar do cálculo de que haja 60 milhões de km cúbicos de águas subterrâneas no mundo, cerca de um sexto dessa reserva estaria a menos de 4 mil metros de profundidade, zona de alcance para uso humano.

No Brasil, calcula-se uma reserva subterrânea de cerca de 112 mil km cúbicos de água.

“Uma boa gestão das águas subterrâneas é necessária para atingir a maior parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030”, observa a ONU. Entre as metas ressaltadas pela entidade, estão a produção de alimentos sustentáveis e práticas agrícolas resilientes e a proteção e a restauração dos ecossistemas hídricos, e a consequente preservação de sistemas de água doce e seus serviços para a humanidade.

O Relatório Mundial da Água da ONU 2022, intitulado “Águas subterrâneas – tornando o invisível visível”, será lançado nesta segunda-feira (21) na abertura do 9º Fórum Mundial da Água em Dakar, no Senegal. A expectativa do encontro, que vai abordar a relação entre segurança hídrica, paz e desenvolvimento, é catalisar compromissos efetivos para a expansão do acesso à água e ao saneamento em todo o mundo.