Projeto de agências da ONU impulsiona empoderamento econômico de mulheres brasileiras

O programa “Ganha-Ganha: Igualdade de gênero significa bons negócios” esteve presente nos eventos da Semana Internacional do Café, ocorrida no início de novembro em Belo Horizonte (MG). Na ocasião, foram realizadas mais de 150 reuniões, que devem movimentar quase 6 milhões de dólares em negócios durante o ano.

A iniciativa é promovida por ONU Mulheres, Organização Internacional do Trabalho (OIT) e União Europeia (UE), em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e a Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA)

O evento apresentou ações a profissionais focados nas áreas de mercado consumidor, conhecimento, inovação, negócios e empreendedorismo. Mulheres de países como Brasil, Costa Rica, Panamá, Guatemala, Honduras, México, Estados Unidos e Japão estiveram presentes, expondo, aprendendo, negociando, compartilhando experiências, fazendo história e mudando o cenário predominantemente masculino.

A Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA) teve um papel fundamental em reunir essas mulheres. Com mais de 400 associadas no Brasil, a organização tem representação em outros 21 países. A fundadora da IWCA Brasil, Josiane Cotrim, não escondeu a emoção ao compartilhar as histórias de sucesso das mulheres do café.

“Elas estão saindo das propriedades, buscando capacitação e inovação tecnológica e cada vez mais ligadas nas demandas do mercado internacional. Poder encontrar essas guerreiras neste evento, protagonizando histórias de sucesso e sendo premiadas, é de uma alegria ímpar”, observou.

Adriana Carvalho, especialista do setor privado do Programa Ganha-Ganha no Brasil, explicou que o empoderamento econômico das mulheres é um dos objetivos principais do programa, cuja área de atuação não se limita ao acesso das mulheres à própria renda, mas também ao comando e aplicação desses recursos e à capacidade de reconhecer seus direitos e demandas.

“Testemunhamos histórias de superação compartilhadas por mulheres de diversos países do mundo, que encontraram no café o caminho para romper as barreiras do preconceito, superar a miséria e o desemprego, contribuir para a melhoria de vida de suas comunidades. Isso já representa um avanço importantíssimo para todas as instituições envolvidas”, comentou Adriana.

No que se refere ao incentivo à exportação, a parceria conta com a Apex-Brasil, que mantém uma linha de atuação voltada para o empoderamento feminino por meio das exportações e do investimento de impacto. Participaram da rodada de negócios cinco importadores e importadoras do Brasil e do exterior e mais de 40 produtoras latino-americanas de cafés especiais, com certificação de comércio justo e sustentável, além de café orgânico.

“São cafés com valor agregado, e o comércio tem reconhecido isso. Sabemos que as mulheres empoderadas economicamente mudam o modelo de fazer negócio e a realidade onde vivem”, disse a gestora de Projetos de Sustentabilidade, Adriana Rodrigues.

A produtora Maria Elena Oliveira é o exemplo vivo da força das mulheres no café. A despeito de todos os sacrifícios pelos quais já passou, como fome, frio e longas horas debaixo de sol, ela não hesita em fazer do café a razão de sua vida.

Dona Lena, como gosta de ser chamada, nasceu em Goioerê (PR). Aos 10 anos, já ajudava o pai na pequena lavoura da família. Na juventude, a crise do café os obrigou a sair do estado e, sem dinheiro – mas com força e coragem de sobra –, mudaram-se para Rondônia.

Passados alguns anos, com cinco filhos e separada dos dois maridos, ela seguiu em frente. Trabalhou muito na lavoura dos outros até construir sua casa no sítio dos pais. Hoje ela se enche de orgulho para contar que criou os cinco filhos sozinha, plantando café. “Não sei ler nem escrever e queria que meus filhos tivessem uma vida diferente da minha. Consegui. Estão todos criados”, comemorou.

Ana Laura Montoya, produtora da Costa Rica, destacou o aumento de oportunidades na economia cafeeira para as mulheres. “Não sabíamos nada sobre café. Aliás, tomávamos um péssimo café. Decidimos criar uma associação com o objetivo de mudar esse panorama difícil da comunidade. Compramos uma máquina para processar café. Fiz coisas que nunca imaginei que poderia fazer”, contou, orgulhosa dos avanços conquistados. Além disso, ela comentou que um grupo de mulheres investiu em um projeto de geração de empregos para jovens na área de turismo e educação ambiental.

Produtora da Guatemala, Catarina Lopez contou que as mulheres participavam de todo o processo de produção do café, mas não ganhavam nada por isso. Com a união delas, ganharam força, voz e espaço nesse mercado e hoje gastam o que ganham com o que querem. “As mulheres se empoderaram economicamente com o café e passaram a decidir na comunidade. Investimos em bibliotecas comunitárias para melhorar as condições de estudo das crianças. Queremos um futuro melhor para elas”, explicou.

A Associação das Mulheres Empreendedoras do Café da Serra da Mantiqueira (Amecafé), de Minas Gerais, também traz histórias de união. Em 2016, eram 12 mulheres. Dois anos depois, já são 130 produtoras de café de oito cidades da Serra da Mantiqueira. Para se tornar associada, a mulher deve ter o cartão de produtor rural. O objetivo é valorizar a mulher e abrir portas para que ela cresça como produtora e gestora do negócio.

“Antes de criarmos a Amecafé, o homem decidia tudo, principalmente da porteira da fazenda para fora, e nós éramos só a mão de obra. Hoje estamos aqui, num evento internacional do café, negociando o nosso produto, nos capacitando, buscando inovação tecnológica”, contou Inês Vinci, da diretoria da associação.

Compradores sensibilizados

Não são apenas as mulheres compradoras que reconhecem o potencial do café feito por mulheres. Para Francis Mason, da Notes Coffee Roasters, de Londres, Inglaterra, os clientes, cada vez mais exigentes, apreciam quando o café tem origem e motivação. “Fiquei muito entusiasmado com as produtoras e suas histórias de superação, por terem se tornado donas das fazendas e estarem mudando o paradigma patriarcal”, disse o comprador britânico.

O empresário Rui Magalhães, da Arcomex, empresa de Belo Horizonte que importa para todo o mundo diversos produtos brasileiros, incluindo o café, ficou encantado com as histórias que ouviu das cafeicultoras que chegaram até ele.

“Elas não trazem apenas um saco de grãos verdes para provarmos, elas trazem um produto especial, um conceito, uma história, e o consumidor quer isso, quer saber de onde vem o café que ele bebe, como foi feito, por quem foi feito. As mulheres têm histórias riquíssimas que vamos poder contar e vender para o mundo todo”, disse Rui.

Outra compradora que esteve em Belo Horizonte foi Phyllis Johson, CEO da BD Imports, empresa de importação de cafés com sede em Atlanta, nos Estados Unidos. A empresa compra exclusivamente café produzido por mulheres de vários países do mundo, pois Phyllis sabe que o lucro dessas produtoras será revertido para o bem comum.

A empresa compra os grãos, torra, empacota e vende para a sexta maior rede de hotéis do mundo – a Radisson Hotels – que, só nos EUA, tem mais de 100 unidades. “O mercado tem reconhecido o valor agregado desse café que tem história para contar, que é feito com carinho por essas mulheres que fazem a diferença na vida de suas famílias e de sua comunidade”, disse.

Após o encerramento da Semana Internacional do Café, representantes de instituições organizadoras da rodada de negócios e de importadoras fizeram, no dia 10 de dezembro, uma visita à Fazenda Cachoeira, onde Miriam Monteiro de Aguiar produz café em larga escala. A propriedade fica em Santo Antônio do Amparo, a 186 quilômetros ao sul de Belo Horizonte.

Miriam é da sexta geração de uma família de produtores. “O café, para mim, nunca foi apenas um produto; ele tem um potencial transformador enorme”, explicou. A comitiva visitou as lavouras de café orgânico e de sustentável, o viveiro de café e participou de uma sessão de prova de cafés.

Ganha-Ganha: Igualdade de gênero significa bons negócios

A ONU Mulheres, a OIT e a União Europeia (UE) implementam desde janeiro de 2018 o programa “Ganha-Ganha: Igualdade de gênero significa bons negócios”. A iniciativa promove a igualdade de gênero por meio do setor privado, com o objetivo de aumentar o empoderamento econômico e a liderança das mulheres para um crescimento sustentável, inclusivo e equitativo.

O “Ganha-Ganha” é implementado em seis países da América Latina e Caribe – Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Jamaica e Uruguai – em colaboração com empresas e empreendedoras da UE.

Busca alcançar o empoderamento econômico das mulheres, fortalecendo as capacidades dos atores do setor privado – empresas, empreendedoras e organizações de empregadores, empregadoras e empreendedoras – e dando visibilidade aos benefícios econômicos gerados pela igualdade de gênero.